quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Artigo: A introdução de falsas memórias








Por Alexandra Ullmann

Estudos científicos apontam que a informação enganosa induz à distorção da memória e a passagem do tempo enfraquece as recordações. Em casos de Síndrome da Alienação Parental, esses fatores podem facilitar a deturpação da verdade.

“As pessoas procuram tratamento

psicanalítico porque o modo como estão

lembrando não as libera para esquecer”

Adam Phillips”

A Síndrome da Alienação Parental (SAP) é definida de forma simples como a maneira pela qual o genitor que possui a guarda do menor, ou menores, de forma subliminar e implícita, sistemática e constante, em comportamentos do cotidiano, mata, dia a dia, minuto a minuto, a figura do outro genitor na vida e no imaginário do filho – ou filhos.

A criança vira um mero instrumento de vingança do genitor guardião e é coagida a deixar de amar um dos pais. O alienador provoca o afastamento intencional de um dos pais da vida do filho menor por meio de comportamentos específicos, inicialmente apresentando obstáculos

ao convívio entre ambos, distorcendo fatos relativos às partes e manipulando a “verdade” da forma que lhe for mais favorável.

O que começa como uma campanha difamatória ou a imposição de obstáculos à convivência do outro genitor pode ser levado à gravidade extrema como, por exemplo, a consolidação nas mentes em formação de fatos, sensações e impressões que jamais existiram. Nesses casos, muitas das informações prestadas ao menor sobre o genitor alienado e repetidas por dias, meses ou anos podem ser falsas ou falseadas impregnando a mente e o imaginário infantil que, em muitos momentos, confunde realidade com fantasia.

Tais narrativas falsas podem ser referentes a maus-tratos, episódios inexistentes de descaso, abandono ou até falsas denúncias de abuso sexual. A escritora Martha Medeiros afirma que a maioria de nossos tormentos não vem de fora, está alojada na mente, cravada na memória, afirmando ainda que nossa sanidade (ou insanidade) se deve basicamente à maneira como nossas lembranças são assimiladas. Desta forma pode-se inferir que a construção de nosso presente e futuro está fundada na trilha deixada pelo passado. Não são apenas nossas experiências que nos constroem como pessoas, mas também a forma como nos lembramos das experiências vividas e lidamos com determinadas situações.

Exercício simples de memória é aquele que se faz quando se recorda o tamanho dos espaços do passado. O pátio da escola parecia imenso, mas na realidade nada mais era do que o quintal de uma casa de três por seis metros. Ou seja, as lembranças e suas impressões variam de acordo com o momento da vida. O referencial é fator primordial na forma da recordação. A informação incorreta ou enganosa neste contexto tem o poder de invadir nossas memórias e transformá-la ou corroê-la dependendo da maneira que nos é imposta ou colocada. Vale então a máxima de que uma mentira repetida muitas vezes se transforma em verdade. Pior. Pode construir uma recordação inexistente.

A invasão da informação incorreta na lembrança verdadeira tem a seu favor o tempo.Com o passar dos dias, as memórias se tornam cada vez menos claras e, justamente por isso, mais facilmente influenciáveis.

Lembrança mal lembrada

As influências externas, como informações repetidas por terceiros, são capazes de introduzir ou modificar elementos em experiências pelas quais efetivamente passamos. Uma lembrança mal lembrada pode nos remeter a sentimentos não sentidos ou momentos não vividos, situação clara de dicotomização e fragmentação da personalidade. É preciso diferenciar a memória, a memória reprimida e a falsa memória para entendermos o funcionamento do cérebro, suas sinapses e suas respectivas exteriorizações. De forma simplista temos que a memória é a recordação de fatos ocorridos na vida de uma pessoa. A memória reprimida está guardada no inconsciente, o que leva a uma “sensação” de esquecimento do fato, das sensações e sentimentos advindos dele. As recordações da memória reprimida podem ser resgatadas por meio de terapia ou de outros métodos.

A memória introduzida ou a falsa memória é aquela baseada em fatos que jamais ocorreram. São memórias baseadas em sugestionamentos e informações enganosas. Quando uma pessoa que presenciou um determinado evento é exposta a informações enganosas ou inverídicas sobre o fato, com frequência, passa a possuir memórias distorcidas sobre o ocorrido.

Havendo um mero indício de veracidade, o resto se constrói, se reconstrói e se destrói. Na realidade, existem dois processos: o de modificação de memória e o de introdução de memória falsa. No primeiro caso, modificam- se detalhes de um fato existente, real. No segundo, a introdução de memórias falsas faz crer que uma situação que não existiu realmente ocorreu. Quando se descreve uma situação real, na grande maioria dos casos, há um maior número de detalhes do que nos casos de memórias introduzidas.

É que nossas recordações não se limitam a fatos. Incluem percepções como sons, odores, falas, cores, ambientes. Por menos que nos lembremos desses detalhes, eles estão impressos em nosso inconsciente. A introdução de falsas memórias afeta particularmente as crianças pequenas. E é a força motriz das falsas denúncias de abuso, um problema que vem se tornando, infelizmente, muito comum e, na maior parte das vezes, tem o único objetivo de impedir que um filho conviva com o (a) ex ou seus familiares. Importante ressaltar que quando o fato inexistente é narrado e confirmado por uma pessoa do círculo de confiança da criança e, mormente por aquele genitor que detém sua guarda e com quem o menor convive diariamente, a recordação do “fato” é mais facilmente confirmada pela criança.

Isto se dá porque a confiança que o filho deposita no genitor cuidador é, na grande maioria das vezes, incontestável e incomensurável. Por ser este responsável seu “porto seguro” não é crível para o menor que ele seja capaz de mentir ou lhe fazer qualquer mal. Assim, uma mentira dita por aquele em quem se confia transforma-se em uma verdade inquestionável.

Verdadeiro ou falso?

Os tribunais e delegacias estão abarrotados de casos em que crianças contam como foram abusadas. Estima-se que a metade seja falsa. Entretanto, a improbabilidade de uma criança pequena recordar de qualquer evento possivelmente ocorrido naquela época, se dá por questões médicas, ou seja, o hipocampo, parte do cérebro responsável pela criação e armazenamento das recordações, não teve seu amadurecimento efetuado de forma suficiente para fabricar e armazenar recordações que poderiam ser resgatadas na fase adulta.

Uma criança que afirma com firmeza que o pai abusou dela quando tinha 1 ano, e repete a mesma história por anos a fio, se questionada, não consegue alocar o fato no tempo nem no espaço, não consegue se lembrar de cores, odores, sensações e sentimentos que o pretenso abuso teria gerado. Não consegue ao menos dizer a cor do vestido que usava na festa de 1 ano de idade, fato importante em sua vida, ou qualquer outro que teria ocorrido no mesmo período. O que chama a atenção nesses casos especificamente é que quando a memória do fato é real, o tempo a torna mais embaçada, menos clara, enquanto que as falsas memórias não desvanecem, não se modificam, permanecem intocadas e inalteradas pelo fator repetição. Estudos realizados demonstram que é possível a condução de pessoas adultas para que se lembrem do seu passado de forma diferente, ou, pior ainda, é possível que se consiga persuadir o adulto a se “recordar” de fatos e eventos que jamais aconteceram. No entanto, mais grave é ainda a possibilidade da introdução da falsa memória em crianças. Estas são mais vulneráveis às opiniões e informações a que são submetidas.

A cruel submissão de uma criança à informação enganosa de que teria sido abusada sexualmente por um de seus genitores é reforçada pela comoção com que o assunto é tratado, tanto por familiares que cercam o menor e muitas vezes acreditam na informação daquele adulto que criou a história inverídica, quanto também pelos profissionais de saúde e da lei que atuam na legítima intenção de “proteger” a vítima de seu “abusador”. A fala e o comportamento dos adultos que cer cam o menor fazem que se reforce em seu íntimo a “recordação do fato inexistente”.

Na grande maioria das vezes a afirmação do abuso é utilizada para fomentar brigas judiciais pela guarda da criança, separação, visitação e outras mais. No entanto, para que se deem ares de gravidade necessários à acusação e se garanta uma medida de afastamento eficaz do genitor acusado de abusador, a criança é submetida a um sem-número de procedimentos – inquirição por psicólogos, policiais, parentes, amigos, exames ginecológicos, exames no Instituto Médico Legal, conversas com advogados e assistentes sociais e ainda oitiva do menor pelo Ministério Público e juízes de Direito.

Amado inimigo

O genitor acusador, que não possui quaisquer pudores em criar uma memória falsa no filho, é aquele que permanece ao lado da criança orientando-a ao que dizer e como fazer para manter aquele que a subjugou, a abusou longe de si. A criança repete, repete, repete e acredita na existência do fato. Mas essa crença do fato significa a certeza da vivência da situação com a dificuldade de alocação nas sensações e sentimentos que a envolvem.

O abuso, seja ele psicológico, físico ou sexual,quando verdadeiro, trás a reboque além da simples memória da vivência, a impressão física das sensações e sentimentos vivenciados no momento de sua ocorrência. A mera repetição da história não criará no adolescente e no adulto tais vivências, mas trará a ele indubitavelmente uma fragilidade emocional irrecuperável, pois a memória introduzida, a emocional, existirá sem uma correspondente memória física de um fato não vivido. A integração entre o emocional e o físico é que traz o equilíbrio necessário à maturidade comportamental de um ser humano feliz. Ou seja, para que se recupere a memória real ou o equilíbrio emocional do ser humano, não é necessário esquecer o fato gerador do sentimento doloroso, mas sim se lembrar corretamente o que realmente aconteceu.

Alexandra Ullmann é bacharel em Direito e Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. É especialista em Direito de Família com MBA na área e professora de pós-graduação e graduação da UniverCidade do Rio de Janeiro. Possui vários artigos publicados sobre alienação parental.

Artigo publicado na Revista Psiquê – agosto de 2009

3 comentários:

Edmaura disse...

passei por tudo isso.
e hj luta contra os traumas deixados
pelas mentiras.
parabens

serenity disse...

estou passando por isso no momento. minha filha menor está sendo bombardeada de informações inverídicas à meu respeito e, apesar de ter conhecimento jurídico, não sei como agir. temo que tirá-la do convívio com o alienante gere nela mais ódio em relação à mim. é uma situação realmente complicada. as inverdades podem ser provadas por documentos, mas como provar que essas inverdades foram incutidas na criança?
agradeço se algum profissional puder me ajudar, pois estou muito envolvida emocionalmente com o problema.
obrigada

Karla Mendes disse...

Serenity, você procurar uma avaliação psicológica da criança. Abraços