quarta-feira, 29 de agosto de 2012

IBGE: responsabilidade compartilhada em 17 milhões de lares

Fonte: O Globo


Famílias ‘novíssimas’ ainda não são medidas pelo IBGE, como crianças que vivem em duas casas
Instituto mostra ainda que em 17 milhões de lares a responsabilidade é compartilhada
 
Os jornalistas Angela Goes e Álvaro Neiva, separados há sete anos tem a guarda compartilhada dos filhos Beatriz e Mateus Monteiro. Márcia Foletto / Márcia Foletto
As pesquisas não mostram. Não há números dessas famílias que já começam a frequentar o nosso dia a dia: são os casados morando em casas separadas e crianças morando em duas casas diferentes. É dessa maneira que os jornalistas Álvaro Neiva e Angela Goes resolveram continuar a criar os filhos há sete anos, quando se separaram, conforme mostra a última reportagem da série “A nova família brasileira”, iniciada pelo GLOBO no domingo passado.
Beatriz, de 10 anos, e Mateus, de 8, ficam segunda e terça-feira com a mãe, quarta e quinta com o pai, sexta, sábado e domingo são alternados. Esse esquema exigiu uma organização impecável. Primeiro, os dois pais moram perto. A escola também fica próxima, assim como as atividades extras como teatro, natação e futebol. Os médicos são marcados por ambos os pais nos horários mais adequados para Angela e Álvaro, de 33 anos:
— Fui criado nesse sistema desde que eu tinha 4 anos. Sou filho único de parte de mãe. Meu pai casou de novo, teve três filhos e se separou de novo. Eles também foram criados em guarda compartilhada. Não só convivia com minha mãe e pai como também com meus irmãos.
Dever de casa é um problema
Ana Saboia, coordenadora de Indicadores Sociais do IBGE, estuda as maneiras que os institutos mundo afora estão usando para medir essas famílias que não moram juntas. As pesquisas sociais são feitas nos domicílios. No caso de Beatriz e Mateus, eles foram agrupados numa casa com pai sozinho ou mãe sozinha, dependendo do dia que o recenseador fez a entrevista. Ou pode até haver dupla contagem se o recenseador for na casa de Angela e Álvaro quando as crianças estiverem lá:
— No Canadá, conseguiram acompanhar essas crianças e ter procedimentos para evitar a dupla contagem. Hoje em dia a gente não tem como mensurar esse fenômeno no Brasil. Estamos caminhando para isso, estamos estudando para que nossas pesquisas possam retratar essa realidade. A gente já conhece por outros estudos a existência desse tipo de casal que tem um compromisso afetivo, se reconhecem como casal, mas moram em casas separadas.
Outra mudança que tem que acontecer é com as políticas públicas, lembra o sociólogo da UnB Marcelo Medeiros. Ele cita o Bolsa Família:
— O programa é atrelado à noção de que as famílias vivem no mesmo domicílio. Temos que adaptar a política pública a essas mudanças.
Enquanto as instituições correm atrás para tentar medir e atender a essas novas configurações nos domicílios, Angela e Álvaro enfrentam os problemas para organizar a vida dos filhos em duas casas. Uma das dificuldades é o dever de casa:
— Nós chegamos a ser chamados na escola porque as crianças não estavam levando o dever. Tivemos que explicar que nessa forma de convivência pode haver esses problemas. As crianças esquecem o material escolar numa casa ou na outra. Tentamos que isso ocorra o menos possível, mas às vezes acontece — afirma Álvaro.
— Fica uma casa cheia de chinelos e outra cheia de casacos. Como Beatriz é mais organizada, ela sofre mais com as cobranças na escola. Mas como Álvaro já tinha passado por essa experiência, sabíamos que poderia dar certo. O objetivo era que as crianças pudessem conviver com os dois igualmente — diz Ângela.
A criação é conjunta. Todas as decisões sobre as crianças são discutidas, segundo Angela:
— Mais tarde, eles poderão escolher com quem morar. Foi assim com Álvaro, que decidiu ficar com a mãe aos 18 anos.
Em quase 30% dos lares, responsabilidades divididas
Fabiana Martin e Bruno Sampaio estão casados há mais de dois anos. Nunca houve um acerto verbal sobre como administrariam a casa. O trabalho e as despesas são divididas sem muitas discussões. Esse formato de organização familiar está presente em 29,6% dos domicílios brasileiros. Pela primeira vez, um censo demográfico perguntou às famílias se havia ou não responsabilidade compartilhada dentro de casa. E descobriu que já estava estabelecida em 16,967 milhões de lares no Brasil.
— Até as nossas compras são divididas. Eu compro os produtos de limpeza e dou as orientações para a faxineira e ele compra a comida. A casa eu arrumo e lavo a roupa. Ele cozinha e lava a louça — explica a arquiteta Fabiana.
O censo do IBGE também captou que essa forma de administrar o lar era mais presente nos casais sem filhos. Nessas famílias, estão concentrados 63,4% dos lares com responsabilidade compartilhada.
Não há orçamento único na casa de Fabiana e Bruno. Fabiana paga condomínio, gás e luz, e Bruno fica com o aluguel.
Filhos estão nos planos, mas não para agora. Nesse momento, talvez o acordo mude. As pesquisas indicam que o homem trabalha menos em casa quando há filhos. A divisão de tarefas é mais equânime entre os casais que trabalham e não têm filhos.

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