Famílias ‘novíssimas’ ainda não são medidas pelo IBGE, como crianças que vivem em duas casas
Instituto mostra ainda que em 17 milhões de lares a responsabilidade é compartilhada
Os
jornalistas Angela Goes e Álvaro Neiva, separados há sete anos tem a
guarda compartilhada dos filhos Beatriz e Mateus Monteiro. Márcia
Foletto /
Márcia Foletto
As
pesquisas não mostram. Não há números dessas famílias que já começam a
frequentar o nosso dia a dia: são os casados morando em casas separadas e
crianças morando em duas casas diferentes. É dessa maneira que os
jornalistas Álvaro Neiva e Angela Goes resolveram continuar a criar os
filhos há sete anos, quando se separaram, conforme mostra a última
reportagem da série “A nova família brasileira”, iniciada
pelo GLOBO no domingo passado.
Beatriz,
de 10 anos, e Mateus, de 8, ficam segunda e terça-feira com a mãe,
quarta e quinta com o pai, sexta, sábado e domingo são alternados. Esse
esquema exigiu uma organização impecável. Primeiro, os dois pais moram
perto. A escola também fica próxima, assim como as atividades extras
como teatro, natação e futebol. Os médicos são marcados por ambos os
pais nos horários mais adequados para Angela e Álvaro,
de 33 anos:
—
Fui criado nesse sistema desde que eu tinha 4 anos. Sou filho único de
parte de mãe. Meu pai casou de novo, teve três filhos e se separou de
novo.
Eles também foram criados em guarda compartilhada. Não só convivia com
minha mãe e pai como também com meus irmãos.
Dever de casa é um problema
Ana
Saboia, coordenadora de Indicadores Sociais do IBGE, estuda as maneiras
que os institutos mundo afora estão usando para medir essas famílias
que
não moram juntas. As pesquisas sociais são feitas nos domicílios. No
caso de Beatriz e Mateus, eles foram agrupados numa casa com pai sozinho
ou mãe sozinha, dependendo do dia que o recenseador fez a entrevista.
Ou pode até haver dupla contagem se o recenseador
for na casa de Angela e Álvaro quando as crianças estiverem lá:
—
No Canadá, conseguiram acompanhar essas crianças e ter procedimentos
para evitar a dupla contagem. Hoje em dia a gente não tem como mensurar
esse
fenômeno no Brasil. Estamos caminhando para isso, estamos estudando para
que nossas pesquisas possam retratar essa realidade. A gente já conhece
por outros estudos a existência desse tipo de casal que tem um
compromisso afetivo, se reconhecem como casal, mas
moram em casas separadas.
Outra
mudança que tem que acontecer é com as políticas públicas, lembra o
sociólogo da UnB Marcelo Medeiros. Ele cita o Bolsa Família:
—
O programa é atrelado à noção de que as famílias vivem no mesmo
domicílio. Temos que adaptar a política pública a essas mudanças.
Enquanto
as instituições correm atrás para tentar medir e atender a essas novas
configurações nos domicílios, Angela e Álvaro enfrentam os problemas
para organizar a vida dos filhos em duas casas. Uma das dificuldades é o
dever de casa:
—
Nós chegamos a ser chamados na escola porque as crianças não estavam
levando o dever. Tivemos que explicar que nessa forma de convivência
pode haver
esses problemas. As crianças esquecem o material escolar numa casa ou na
outra. Tentamos que isso ocorra o menos possível, mas às vezes acontece
— afirma Álvaro.
—
Fica uma casa cheia de chinelos e outra cheia de casacos. Como Beatriz é
mais organizada, ela sofre mais com as cobranças na escola. Mas como
Álvaro
já tinha passado por essa experiência, sabíamos que poderia dar certo. O
objetivo era que as crianças pudessem conviver com os dois igualmente —
diz Ângela.
A criação é conjunta. Todas as decisões sobre as crianças são discutidas, segundo Angela:
— Mais tarde, eles poderão escolher com quem morar. Foi assim com Álvaro, que decidiu ficar com a mãe aos 18 anos.
Em quase 30% dos lares, responsabilidades divididas
Fabiana
Martin e Bruno Sampaio estão casados há mais de dois anos. Nunca houve
um acerto verbal sobre como administrariam a casa. O trabalho e as
despesas
são divididas sem muitas discussões. Esse formato de organização
familiar está presente em 29,6% dos domicílios brasileiros. Pela
primeira vez, um censo demográfico perguntou às famílias se havia ou não
responsabilidade compartilhada dentro de casa. E descobriu
que já estava estabelecida em 16,967 milhões de lares no Brasil.
—
Até as nossas compras são divididas. Eu compro os produtos de limpeza e
dou as orientações para a faxineira e ele compra a comida. A casa eu
arrumo
e lavo a roupa. Ele cozinha e lava a louça — explica a arquiteta
Fabiana.
O
censo do IBGE também captou que essa forma de administrar o lar era
mais presente nos casais sem filhos. Nessas famílias, estão concentrados
63,4%
dos lares com responsabilidade compartilhada.
Não há orçamento único na casa de Fabiana e Bruno. Fabiana paga condomínio, gás e luz, e Bruno fica com o aluguel.
Filhos
estão nos planos, mas não para agora. Nesse momento, talvez o acordo
mude. As pesquisas indicam que o homem trabalha menos em casa quando há
filhos. A divisão de tarefas é mais equânime entre os casais que
trabalham e não têm filhos.
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