Dr. Nogueira, que é juiz federal da 1ª Vara de Pernambuco há 21 anos, também trabalhou com casos de família quando atuou como juiz estadual. Ele só aceitou comentar o `caso Goldman´ porque o caso já está amplamente divulgado na mídia.
"O que faz o governo brasileiro lavar as mãos como Pilatos diante desta responsabilidade e deixar de agilizar o ato de expatriação, administrativamente falando, do menor?," questiona ele.
Dr. Nogueira defende que se Sean Goldman for duplo-nacional, que ele seja repatriado aos EUA, usando-se a Autoridade Central do Brasil, que é o órgão dos Direitos Humanos do ministro Paulo Vannuchi. E se ele for só estrangeiro, como estaria em situação irregular no país, ele deve ser deportado.
A criança viajou para o Brasil com a mãe, o uso da palavra sequestro é adequado?
O nome da Convenção de Haia é `convenção para os aspectos civis do sequestro internacional de criança´. Embora esta carga criminosa da palavra sequestro não se aplique aos fins da Convenção de Haia, a ordem jurídica do Brasil não tem o direito de se escusar de avaliar se é o não caso de delinquência.
Então, o comentário do presidente Lula - dizendo que o judiciário é independente - foi inadequado?
O presidente Lula falou sem estar suficientemente assessorado. E muito menos com o conhecimento adequado da Convenção de Haia, que pede que o Estado parte atue tanto judicialmente quanto administrativamente. Então, não é verdade que a solução para esta causa se deva apenas à Justiça brasileira. O executivo brasileiro está em falta.
Quando a mãe registrou a criança numa escola do RJ configurou intenção de mantê-la no país?
Isso é evidente. Toda a inflexão argumentativa (da família brasileira) é inútil, não guarda compatibilidade com a teoria ou prática. Quer dizer, o menino tem que voltar. Se a família quiser discutir a guarda do menino deve fazê-lo em Nova Jersey, que é o local de habitação do menino na época da retenção indevida.
A Justiça do RJ foi muito rápida em conceder a guarda provisória ao padastro?
Normalmente essas ações de guarda são rápidas para resolver a situação do menor. No entanto, o juiz do Estado não está preparado para decidir sobre questões do direito internacional. E aí tratam como uma questão menorista, entre partes.
O que tem sido irrelevante nos argumentos da família brasileira?
Tudo. É só conversa mole para retardar o processo. A única coisa relevante está na carta do advogado (Ricardo Zamariola Jr.) que diz assim: "para solução desta questão deve-se investigar apenas se a remoção da criança (dos EUA) foi lícita ou ilícita." Partindo-se do artigo 1º da Convenção de Haia, acabou-se o problema.
E sobre a exceção prevista na Convenção para manter a criança no Brasil?
Se o pai legíltimo, que sofreu os efeitos da retenção indevida do menor, não tivesse agido em até 1 ano da data de retenção, aí sim a guarda poderia ser provisoriamente mantida no país para garantir as urgências da vida do menino. Mas não é o caso. O Estado brasileiro deveria ter devolvido a criança, a qualquer custo, em até seis semanas, e isso não aconteceu.
A Justiça deve considerar o quão difícil será a readaptação de Sean aos EUA?
Isso deve ser debatido na Justiça norte-americana. Eu não faço proselitismo do norte-americano, até nem gosto muito dos EUA. Mas o que a Justiça brasileira está fazendo é se sobrepondo à autoridade do juiz natural, que neste caso é a Justiça americana.
Após oa morte da mãe, será que David ganhou mais direitos de ter o filho?
Do ponto de vista da Convenção de Haia, a morte da mãe é um dado irrelevante. Todavia, serve para agravar o aspecto "kafkiano" da retomada. O esforço se torna ainda mais cruel, dado que o pai biológico não tem acesso ao próprio filho pela obra de um padrasto. Mas esse não é o ponto essencial. O que importa é saber se o menino residia nos EUA quando foi retido indevidamente no Brasil. Sim, porque o conceito de sequestro para aspectos civis convenientes diz respeito ao sequestro, ou a retenção indevida no país para onde ele foi admitido. No caso, o menor seguiu em férias com a mãe, e não mais regressou, por iniciativa da própria mãe, o que caracteriza retenção indevida e aplicação automática da Convenção de Haia.
Em manifesto, uma pessoa compara o `caso Goldman´ ao de uma mãe em Porto Alegre com um pai em Tocantins. Será que casos internacionais são semelhantes ao exemplo dado?
Esse é um argumento inteiramente desprezível do ponto de vista técnico. Mais uma vez, para defender o indefensável, o articulista usa categorias acessórias para justificar uma raiz temática que tem natureza distinta. Existem ordens que não se misturam. Nós estamos no plano internacional, e não no plano das questões pessoais. É preciso que isso fique muito claro.
O padastro tentou tirar o nome do pai, e dos avós paternos da certidão de nascimento do garoto. Isso é cabível sob a lei brasileira?
Ainda não. Mas essa tentativa é apenas uma entre uma enormidade de procedimentos arquitetados para garantir a permanência, mesmo indevida, do menor Sean no Brasil. Nesta quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou projeto do deputado falecido Clodovil Hernandes que prevê exatamente a possibilidade de os enteados recepcionarem o nome de seus padrastos. Mas isso é uma lei ainda em curso. A lei brasileira não coagita desta possibilidade ainda.
Será que a opinião do menino deve ser ouvida?
A opinião do garoto será levada em consideração em foro adequado, em Nova Jersey. O juiz americano pode até decidir que o melhor para o menino é voltar para o Brasil. O brasileiro ainda não se acostumou a entender que esta história de `jeitinho´ só vale aqui dentro, lá fora não vale.
Quais as consequências que o Brasil pode sofrer caso se negue a respeitar a Convenção?
O país pode sofrer represálias dos demais países contratantes no sentido de não permitir a reciprocidade, ou seja, filhos nascidos no Brasil podem ser retidos no estrangeiro. Segundo, o Brasil pode sofrer uma denúncia em foro competente e ser excluído da Convenção por desrespeito. E pode ainda ver diminuída as suas chances de ganhar um assento na ONU.
Mas por que a Justiça no Brasil ainda é tão morosa? A quem interessa essa morosidade?
Nós ainda estamos cheios de subsistemas políticos, judiciais, de saúde, tudo, o Brasil ainda está muito ruim por causa disso. Nós ainda não nos elevamos ao patamar de uma democracia real justamente porque não temos educação continuada pra viver a cidadania plenamente. As cúpulas, os tribunais, os poderes políticos são preenchidos por este tipo de gente, que acaba formatando a estadização social brasileira. Isso está documentado por Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Roberto da Matta, Darcy Ribeiro, e tantos outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário