segunda-feira, 3 de maio de 2010

''É possível divórcio sem traumas''

Karina Toledo - O Estado de S.Paulo
Apesar de ser visto como um evento inevitavelmente traumático para os filhos, o divórcio não precisa ser um bicho de sete cabeças, diz a psicóloga Maria Dolores Cunha Toloi. Como assistente de perícias psicológicas no Tribunal de Justiça de São Paulo, ela vivencia há 15 anos o cotidiano das brigas familiares.

Em seu doutorado, ela buscou entender como os "filhos do divórcio" compreendem e enfrentam esses conflitos conjugais. A pesquisa, com adolescentes entre 13 e 16 anos, deu origem ao livro Sob Fogo Cruzado. Conflitos Conjugais na Perspectiva de Crianças e Adolescentes. Mais que a separação em si, diz ela na entrevista a seguir, é o alto nível de conflitos entre os pais o grande causador de danos cognitivos e psicológicos nas crianças.

O que mais lhe chamou a atenção na pesquisa com os jovens?

O alto nível de agressividade e a tolerância existente nas famílias de classe média a essa agressividade. É o mesmo nível de violência - psicológica, verbal e física - que vejo nas perícias judiciais. Muita chantagem emocional, muita ameaça. Entre os pais e entre pais e filhos. Foi um descortinar da violência na classe média. Os jovens, como a maioria das pessoas, associam conflito à violência. Mas uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra. Conflito é inerente ao ser humano, todos temos conflitos pessoais e nos relacionamentos. A violência é a maneira como alguns lidam com o conflito. Quanto maior a relação hierárquica entre as pessoas, maior a tendência à violência. Quando pai e mãe têm relações mais igualitárias, o nível de violência é menor.

É possível para os filhos saírem ilesos de um divórcio?

De um divórcio, sim, mas de uma relação com alto nível de conflito, não. Antigamente, o divórcio era visto como um evento sempre traumático para a criança, que causava efeitos deletérios para o resto da vida. Pesquisas sugerem hoje que, embora o divórcio cause uma série de crises na família - como declínio econômico, eventos estressantes, problemas de saúde dos pais -, em cerca de dois ou quatro anos todos se adaptam ao novo sistema. O problema, na verdade, não é o divórcio. As pesquisas sugerem que o alto nível de conflitos entre os pais e o padrão de resolução desses conflitos é a causa de grandes danos cognitivos e emocionais nos filhos. E o dinheiro é a principal causa.

O que significa alto nível de conflito?

O conflito começa com a discórdia verbal, que é normal em todos os relacionamentos. No nível seguinte vem a violência verbal, depois abuso psicológico, violência física e sexual. No Judiciário, quando o nível de conflito é alto, costuma ocorrer o que chamamos de síndrome da alienação parental, cada vez mais comum no Brasil.

O que é essa síndrome?

Em geral acontece no contexto materno, pois na maioria dos casos a guarda fica com a mãe. Ela vai doutrinando a criança contra o pai. A criança começa a se recusar a vê-lo. Isso num nível leve. No moderado, a mãe começa efetivamente a impedir a criança de ver o pai. Diz que ela está doente, inventa mil desculpas. Nos casos mais graves, a mãe chega a fazer denúncias falsas de abuso sexual. Isso faz com que o juiz suspenda as visitas até que a família passe por uma avaliação psicológica. Mas isso demora. Seis meses ou um ano na vida de uma criança é muito tempo. Ela vai se distanciando do pai. Nesses casos o Judiciário precisa intervir, pois a mãe tem uma patologia, uma personalidade psicopática.

Quais danos esses conflitos podem causar às crianças?

Problemas como baixa autoestima, depressão, dificuldade de confiar em si mesmo são comuns. Pais que brigam muito tendem a brigar mais com os filhos. Essas crianças acabam com uma visão negativa dos relacionamentos, com medo de se entregar. Filhos de pais divorciados têm mais chance de se divorciar também. Outro problema é a perpetuação da violência, pois eles reproduzem o modelo de resolução de conflitos que aprendem na família.

Como evitar que as crianças sejam afetadas?

No Judiciário analisamos o divórcio em relação aos fatores de risco e de proteção para os filhos. A idade da criança, por exemplo, pode ser um aspecto de risco, mas se ela tem uma mãe maravilhosa, que atende a todas as suas necessidades e não mistura a conjugalidade com a parentalidade, isso compensa a idade. Esses fatores abrangem questões genéticas, o perfil psicológico da criança, os recursos emocionais que os pais possuem para lidar com as mudanças, o nível socioeconômico da família após a separação. Drogas podem ser um fator de risco, como para qualquer criança. Abandono, maus-tratos, negligência. É preciso avaliar quem é a figura de apoio na casa para a criança. Ser for o pai, por exemplo, não seria aconselhável a guarda ficar com a mãe. O ideal seria a guarda compartilhada.

Existe uma idade mais crítica?

Sim, entre 6 e 9 anos. Na maioria dos casos, a criança perde o contato com um dos genitores após o divórcio. Nessa faixa etária, ela já tem uma ligação afetiva muito forte com esse genitor e sabe que isso vai mudar, mas não tem controle da situação, não sabe como vai acontecer. Tudo depende de como os pais conduzem o processo.

Há um sistema de guarda mais indicado ou varia caso a caso?

Varia sempre. Quando os casais têm baixo ou médio nível de conflito, o melhor é a guarda compartilhada. Mas, quando o nível de conflito é alto, isso fica inviável.

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