segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Lei de alienação parental já influencia comportamento de pais separados

Deputado Régis Oliveira (PSC-SP) apresentou a lei que pune a alienação parental


Sociedade. Juízes e advogados especializados notam efeito de norma sancionada em agosto que pune os que impedem a convivência de crianças e adolescentes com um dos genitores; 80% dos filhos de casamentos desfeitos enfrentam a situação em diferentes níveis

17 de outubro de 2010 | 0h 00
Karina Toledo - O Estado de S.Paulo
Mesmo após o divórcio, o biólogo Daniel (nome fictício) costumava ver a filha de 8 anos quase todos os dias. Mas as visitas foram ficando mais e mais restritas depois que a ex-mulher ficou sabendo de sua nova namorada. Certo dia, ele chegou à casa que um dia foi sua e descobriu que a família havia se mudado. Isso aconteceu há três anos e, desde então, Daniel não vê a menina.
Para coibir casos como esse, foi sancionada em agosto uma lei que prevê punições àqueles que cometerem atos de alienação parental, ou seja, ações com o objetivo de impedir a convivência de crianças e adolescentes com um de seus genitores. A lei é recente, mas o fenômeno é antigo nas varas de família. Pesquisas apontam que 80% dos filhos de pais separados sofrem algum tipo de alienação parental.
"No grau mais leve, o guardião, normalmente a mãe, faz comentários críticos sobre qualquer coisa que a criança fale sobre o pai. Ou então diz que vai ficar sozinha e triste quando ela for visitá-lo", conta a psicóloga Maria Dolores Toloi, que há 15 anos trabalha como assistente de perícias psicológicas no Tribunal de Justiça de São Paulo. Com o tempo, a convivência com o pai passa a ter um custo emocional tão alto que a criança diz não querer mais vê-lo.
Mas, em casos como o de Daniel, a alienação acontece de forma bem menos sutil. Acusado pela ex-mulher de abusar sexualmente da filha, o biólogo teve o direito de visitação suspenso. Mesmo inocentado no processo criminal, continua proibido de vê-la. "Ela passou a viver das histórias que os outros contam."
Em muitos casos, diz Maria Dolores, o alienador se aproveita da distância para doutrinar a criança contra o outro genitor, chegando até a implantar memórias de fatos que nunca aconteceram. "Quando a criança entra nesse jogo e passa a participar da campanha de difamação, está instalada a Síndrome da Alienação Parental (SAP)."
A criança passa então a ver o genitor alienado como uma pessoa desinteressada, incapaz de amá-la. "Baixo rendimento escolar e autoestima, uso de drogas, depressão e suicídio são problemas comuns nesses casos", diz o psicólogo Diego Bragante.
Instrumento. Para a advogada especialista em Direito de Família Sandra Vilela, a nova lei cria mecanismos para combater o problema no início, antes que a síndrome se instale. "Há três anos, quando uma mãe se recusava a entregar o filho no dia de visita, muitos juízes diziam que não havia nada a fazer." Agora, o alienador pode ser multado, submetido a acompanhamento psicológico e até perder a guarda caso insista no comportamento.
"A simples discussão que a lei suscitou na sociedade já iniciou a mudança", afirma Sandra. O juiz Marco Aurélio Costa, da Segunda Vara da Família do Foro Central de São Paulo, concorda. Segundo ele, já é possível notar um cuidado no discurso das mães para não dar margem a acusações de alienação parental. "Já existe no ar a perspectiva de que isso pode ser punido. Nesse ponto a lei foi muito útil."
Embora a norma tenha sistematizado as punições para os diferentes graus de alienação parental, permanece a dificuldade de se caracterizar o problema. Além da percepção do juiz e de provas materiais, como cartas e e-mails, muitas vezes é necessária uma perícia psicológica.
Maria Dolores diz que, para ser bem feita, uma avaliação psicológica demora cinco sessões. Além da conversa com os pais e com a criança, testes psicológicos são aplicados. Mas a sobrecarga no Judiciário inviabiliza esse trabalho em alguns fóruns. "Fazem apenas uma entrevista com a família e o resto vai na base do "achômetro"." Antes, os processos se arrastavam por anos. A nova lei prevê prazo de 90 dias para a conclusão do laudo.
As famílias que podem pagar contratam psicólogos especializados para fazer um laudo particular. Diego Bragante conta que a procura por esse tipo de serviço em sua clínica dobrou desde a sanção da lei.
Mas, segundo Maria Dolores, há juízes que nem leem o laudo do assistente técnico. "Assim como tem perito que nem sabe o que é a SAP. E assim vai funcionando do jeito do Brasil. Bem em alguns casos, nem tanto em outros", conclui. 


Exemplos de alienação parental

17 de outubro de 2010 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
Distância
Negar o direito de visita ao outro genitor; impedir contato telefônico; mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, para dificultar a convivência.
Difamação
Realizar campanha de desqualificação da conduta do outro genitor; fazer denúncias falsas de abuso visando à suspensão do direito de visita.
Obstrução
Omitir informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, até mesmo escolares, médicas e alterações de endereço. 

Mãe privou pai de convívio com a filha por 17 anos

'Foi como se um buraco tivesse sugado parte da minha vida', conta Karla Mendes, que descobriu aos 19 que não havia sido abandonada

17 de outubro de 2010 | 0h 0

KARINA TOLEDO - O Estado de S.Paulo
Para a jornalista maranhense Karla Mendes, de 40 anos, a descoberta da alienação parental nasceu de um conflito. Aos 19, ela brigou com a mãe, saiu de casa e reencontrou o pai, de quem fora afastada 17 anos antes. Karla descobriu que ele não havia abandonado as filhas. Pelo contrário, tinha tentado vê-las, mas as tentativas foram frustradas pela ex-mulher. Em uma viagem para os Estados Unidos, onde o pai morava, ela conheceu a madrasta e os irmãos mais novos, dos quais nunca ouvira falar. "Foi como se um buraco negro tivesse sugado parte da minha vida", conta.
Quando percebeu que muitas das histórias contadas pela mãe foram criadas para privá-la do contato paterno, o sentimento de rejeição que a acompanhou na infância somou-se à decepção. "A gente cresce pensando que pelo menos nossa mãe não vai nos contar mentiras. Demorei para conseguir acreditar em alguém", relata.
Hoje a jornalista mora no Rio e não tem contato com a mãe há sete anos. Ela conta que tentou perdoar, mas decidiu romper as relações quando viu que tudo estava se repetindo com seus dois irmãos mais novos. "Ela havia se separado do meu padrasto e disse que, se havia feito aquilo comigo, faria também com eles. Não consegui mais conviver."
Outro lado. No Brasil, a guarda fica com a mãe em cerca de 90% dos divórcios de casais com filhos. Mas nem sempre é ela a alienadora. A empresária mineira Andréia (nome fictício), de 39 anos, está afastada do filho de 13 anos desde agosto de 2009.
O problema começou quando o marido descobriu que ela o traía e decidiu se separar. Ela conta que abriu mão de todos os direitos no divórcio em troca de sossego, mas não foi isso que aconteceu. "Ele ligava para me ameaçar de morte. Inventava mentiras para meu filho, dizia que me via com vários homens, que eu era uma vagabunda. Até que um dia o menino foi para a casa do pai e não quis mais voltar."
Andreia ainda é a guardiã legal do garoto, mas evitou levá-lo embora à força para não causar trauma ainda maior. Agora ela luta na Justiça para garantir ao menos seu direito de visitação. "Quando ele está com o pai é outra pessoa. Mas quando ficamos sozinhos, percebo que ainda é o mesmo."
No caso da costureira Elci Beccari, de 42 anos, impedida pela família paterna de ter contato com a mãe, o afastamento culminou com uma tentativa de suicídio. Aos 13 anos, ela escapou da morte por dois centímetros - a distância que separou a bala do revólver do pai de seu coração. "Ouvi muitas coisas ruins, diziam que ela não me amava. Até hoje duvido dos sentimentos dos outros, penso que não gostam de mim." O pai permitiu que ela reatasse os laços depois do episódio, mas Elci não conseguiu desenvolver intimidade: "Minha mãe era uma estranha."
Elci diz que lembra de tudo que passou cada vez que olha para a cicatriz no peito, mas o que a incomoda mais não é a sequela física e sim a psicológica. Mãe de três filhos e separada do pai do primogênito, ela busca fazer diferente. "Mantive a amizade com meu ex-marido em consideração a ele. Não queria ver aquilo acontecer de novo."
A desconfiança vira um fantasma na vida das vítimas e torna a tarefa de criar vínculos com os outros um obstáculo. Amizades, relacionamentos amorosos e até a vida sexual são prejudicados. "Ao perceber que a infância foi baseada em mentiras, perdemos a referência e é difícil confiar nas pessoas", explica a psicoterapeuta Desirée Cordeiro.
Quando a farsa é descoberta, diz ela, é comum que o filho se afaste do alienador e tente se aproximar do alienado. Apesar da vontade de recuperar o tempo perdido, é difícil retomar a relação com o genitor afastado. "A pessoa precisa dessa ruptura para se estruturar. Mas, na maioria das vezes, é impossível retomar os laços. Eles têm de ser refeitos, construídos sobre uma nova base." 

Lei reflete mudanças da família brasileira

17 de outubro de 2010 | 0h 00

Assim como a guarda compartilhada, aprovada em 2008, a lei contra a alienação parental é fruto da militância das ONGs de pais separados e reflete as profundas transformações pelas quais a família brasileira passou após a instituição do divórcio e a saída da mulher para o mercado de trabalho.
Esse pai, que agora troca fraldas, dá banho e até faz comida, passou a não aceitar mais virar um visitante esporádico quando o casamento chega ao fim.
"Quando os homens começaram a reivindicar seus direitos, as mães reagiram e se tornaram ainda mais comuns os casos de alienação parental", afirma a desembargadora Maria Berenice Dia, que em 2007 lançou o primeiro livro sobre o tema no País: Incesto e Alienação Parental. Realidades Que a Justiça Insiste em Não Ver.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Rodrigo Cunha, a lei tem caráter pedagógico. "Muitos dos que praticam a alienação parental não têm noção de que estão fazendo mal aos filhos. Esta lei foi um dos maiores avanços no direito de família." 

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