sexta-feira, 24 de julho de 2009

Folha Universal traz reportagem sobre SAP

A jornalista Karla Mendes tinha apenas 2 anos quando os pais se separaram. Não ficou nenhuma foto que pudesse relembrá-la os bons momentos que viveram enquanto moraram todos juntos. Restava a ela e à irmã mais nova as histórias contadas pela mãe, que dizia que haviam sido abandonadas pelo pai, que jamais quisera saber notícias delas. Aos 8 anos, contudo, Karla foi surpreendida com uma tentativa de reaproximação
do pai. “Depois da visita que ele fez, minha mãe nos disse que ele viria nos buscar para jantar no dia seguinte.” De banho tomado, as duas ficaram
esperando durante horas a chegada dele, que não apareceu.

Ao longo da infância e da adolescência, a figura do pai permaneceu manchada pelo ressentimento. A verdade sobre aquela noite só viria aos 19 anos, com um telefonema dele. Karla descobriu que o desencontro havia sido armado pela mãe, assim como em inúmeras outras vezes. “Ao mesmo tempo em que nos disse que sairíamos para comer fora com meu pai, minha mãe combinou com ele de nos levar à praia. Mas quando ele veio nos buscar, ela se colocou à frente e inventou uma desculpa de que não queríamos ir de jeito algum.” Para Karla, o contato por telefone com o pai foi a revelação de que tudo aquilo que havia pensado sobre ele era uma mentira criada pela mãe. “Fiquei transtornada. A sensação era de, até então, ter vivido uma mentira”, relembra. Karla deixou de falar com a mãe quando descobriu que ela estava fazendo o mesmo com os dois outros filhos do segundo casamento. O drama vivido pela jornalista é tão comum quanto a própria separação de casais. Não são raras as histórias em que, após o fi m do relacionamento, pais lançam mão de todos os artifícios para anular a presença dos ex-cônjuges na vida dos filhos.

O que poucos sabem é que esta prática tem nome: síndrome de alienação parental (SAP). O termo foi criado em 1985 pelo psicólogo norte-americano Richard Gardner e, nos últimos 3 anos, passou a ser mais utilizado nos tribunais de justiça como argumento para alterar acordos de guarda e visita. No Congresso Nacional, o tema começou a ser discutido com o projeto de lei 4.053/2008, que está em processo de votação na Câmara e que estabelece punições para os pais alienadores, como multas, suspensão do poder familiar e inversão de guarda.

A síndrome consiste em programar o comportamento dos filhos para que eles, após a separação, odeiem e rejeitem a fi gura do outro genitor. “A SAP pode ser feita com ações simples como difi cultar a visita do ex-cônjuge aos filhos, negar informações, assumir um discurso de vítim a para que os filhos não queiram ver o pai, além de denegrir a imagem dele e contar mentiras”, diz a psicóloga e advogada Alexandra Ullmann. Muitos usam até mesmo falsas acusações de violência e abuso sexual para afastar o fi lho do ex-cônjuge. De acordo com a presidente da Associação de Pais e Mães Separados, Cristiane Stellato, no Brasil, 32% dessas acusações em casos de disputa pela guarda dos filhos são falsas. “A invenção de um abuso sexual serve para romper de vez os vínculos afetivos entre a criança e o pai alienado”, comenta. Em graus mais severos da síndrome de alienação parental, o que se percebe são crianças que foram tão influenciadas pelo discurso contra um dos pais que passam a incorporá-lo como seu.

“Quando estão dentro deste processo, elas não veem nada além do que os olhos do alienador podem ver. O que diz este pai é a verdade absoluta que eles não protestam. São crianças sem liberdade para amar”, explica José Manuel Aguilar Cuenca, psicólogo argentino e autor de dois livros sobre o tema. Na maioria dos casos, uma pessoa passa a agir dessa forma porque não aceita o fim do casamento ou por não concordar que o ex-companheiro arrume outro parceiro. “O pai ou a mãe usa o fi lho como instrumento de vingança”, comenta a psicanalista Tamara Brockhausen.

No caso do dentista Alan Minas, as difi culdades no relacionamento com a filha se acentuaram após o nascimento do segundo fi lho, de outro casamento. Até então, o pai e a garota conviviam bem e se empenhavam nos preparativos para a vinda do bebê. “No dia em que ele nasceu, minha ex-mulher proibiu que minha fi lha o visse. Algumas semanas depois, ela e o atual marido foram até a delegacia e deram queixa de mim, sob o pretexto absurdo de abuso psicológico”, lembra Alan. Por conta da denúncia, as visitas quinzenais foram suspensas e o contato com a menina ficou cheio de obstáculos. A última vez que a viu, há cerca de 13 meses, foi no corredor do Fórum de Justiça. “Ela estava agressiva e não conseguia me olhar nos olhos. Sinto saudade de uma criança que talvez não exista mais”, lamenta Alan.

No País, em 93% dos casos é a mulher quem fi ca com a guarda dos fi lhos. Por isso, é mais comum que elas sejam as principais responsáveis por instalarem a SAP na relação do ex-marido com os fi lhos. Mas com a auxiliar administrativa Tânia Alves, o comportamento estranho do filho começou depois que o marido ganhou a guarda dele. “Ele entra no táxi e não demonstra qualquer afetividade por mim, mas quando dobramos a esquina ele volta a ser o mesmo. A impressão que tenho é de que ele fica receoso em mostrar afeto por mim na frente do meu ex-marido”, relata. Também não foram poucas as vezes em que o garoto, quando visitou a mãe em Porto Alegre, contou que, quando chega na casa do pai, na cidade de Pelotas, tem novamente de tomar banho “para tirar o cheiro daquela gente”, nas palavras ditas pelo fi lho à Tânia.

Estudos mostram que crianças e adolescentes que sofreram com a SAP têm mais chances de sofrer de depressão, de se tornarem usuários de drogas e, em casos mais graves, de cometerem suicídio. “A síndrome causa consequências drásticas para o desenvolvimento emocional. No futuro, essas crianças poderão ter difi culdades de se relacionar e de estabelecer vínculos de confi ança”, pontua Tamara. “Quando a criança percebe que essa mãe ou pai, em que sempre confi ou, foi o responsável por implantar falsas memórias, ela se volta contra essa pessoa. É um efeito bumerangue”, completa Alexandra Ullmann.

Para os especialistas, há poucas formas de pôr fim a esse processo: conseguir uma intervenção rígida da Justiça, como a inversão de guarda, ou esperar que o filho, em algum momento da vida, passe a questionar o passado e procure estabelecer contato com a mãe ou o pai alienado.

Leia na íntegra: http://folha.arcauniversal.com.br/folha/fotos/integra/Geral-902-FolhaUniversal.pdf

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